Uma Leitura de Eclesiastes para a FTL
Regina Fernandes
Concordo com os biblistas que situam a obra de Eclesiastes
no período grego. Há muitas evidências internas que indicam isso. Se é assim, estamos
falando de uma sabedoria hebraica que dialogou em exílios e dispersão com conhecimentos
de outros povos, principalmente persas e agora os gregos. Esta, certamente, é uma
das razões pelas quais a sabedoria mais tardia de Israel se tornou bastante
crítica à sabedoria antiga e principalmente aquela da tradição salomônica muito
demarcada pela ideia de retribuição.
O pregador, autor de Eclesiastes, chama a atenção para a complexidade
da vida. Para ele, as coisas não acontecem de modo tão mecânico como ensinava a
sabedoria antiga, a vida não funciona dessa maneira. Podemos até conseguir
prosperidade financeira, mas isso não significa que nossa vida ficará melhor,
que encontraremos o bem-viver. Podemos alcançar o poder político e outros poderes, o
que parece ser símbolo de prosperidade, mas isso não é garantia que seremos
felizes. O mesmo acontece com o sucesso acadêmico e orgulhos ilustrados. Para o Coelet o bem-viver, a boa
vida estão nas coisas mais simples
que muitas vezes desprezamos. Jesus lembrou seus discípulos sobre isso quando orientou
que olhassem para os lírios do campo e para os pássaros, as coisas simples da
natureza.
Como FTL sonhamos coisas grandes, grandes eventos, grandes
publicacões, e, muitas vezes, ao focar e mirar essas coisas grandes deixamos de
enxergar e valorizar as coisas simples, e que são aquelas que mais
encontramos em nossos caminhos, que de fato identifica o que somos como
pessoas e organização.
Por exemplo: Em nossas assembleias e consultas percebo sempre alguns rostos que estão em todos os eventos, estão sempre conosco, não faltam e são muito participantes, como temos valorizado essas pessoas que estão conosco nessa caminhada, que mais do que membros se fazem parceiros e amigos? Uma aplicação (ainda que meio forçada, assumo isso) de Eclesiastes 9.9 seria a orientação para desfrutarmos a vida com nossos companheiros, como dizia nosso pregador, aparentemente mal humorado, “nessa vida sem sentido”.
Outra situação são as pequenas produções dos núcleos de teólogas e teólogos ainda não muito conhecidos. Ficamos presos, muitas vezes, aos famosos nomes que sempre se repetem em nossas agendas de eventos e não enxergamos tantos e tantas outras boas teólogas e teólogos em nosso meio, com isso, contribuímos para a invisibilização de muitos excelentes pensadores e não formamos, assim, novas gerações de teólogos/as na FTL. É preciso enxergar, visibilizar e des-esconder pessoas e grupos. É preciso colocar na prática aquilo que já discursamos em nossos eventos e publicações.
Um último exemplo seria pensar nos parâmetros missionais que temos como FTL. Valdir Steuernagel mencionou certa vez que temos que aprender a fazer missão em América Latina a partir de nossas pobrezas (livro Obediência Missionária e Prática Histórica). Isso significa que temos que pensar a partir de aqui, de nossa América Latina, e não ficarmos nos comparando com grandes organizações de partes mais ricas do mundo. Não é isso que somos e nem devemos ser. Nossa simplicidade é nosso mais precioso bem.
Jesus nos convida a olhar os pardais e os lírios que se
espalham por nossa FTL, e o autor de Eclesiastes, nosso amigo sábio pregador,
Coelet, nos chama a valorizar as coisas mais simples e reconhecer nelas nosso tempo de felicidade, pois é
nelas que está nosso bem-viver, como pessoas e como organização.
Não conseguiremos fazer isso em América Latina sem ouvir os
povos de culturas ancestrais, as comunidades de fé, as teólogas e teólogos escondidos, aqueles e aquelas que estão nos núcleos compartilhando ideias teólogicas e testemunhos missionais, pois são eles que guardam a sabedoria de boa
vivência e da nossa teologia em América Latina. Nós, estamos muito envolvidos com as culturas
capitalistas ocidentais, que muitas vezes são muito mais como vampiros de
nossas vidas, passando a falsa ideia de que somos importantes, mas como diz
Boaventura de Souza Santos, nos mantendo na escuridão epistemológica e sempre
tendo que aprender deles.
(Devocional apresentada em reunião do CD - FTL em junho de 2020)