domingo, 17 de julho de 2022

 

Uma Leitura de Eclesiastes para a FTL


Regina Fernandes

Concordo com os biblistas que situam a obra de Eclesiastes no período grego. Há muitas evidências internas que indicam isso. Se é assim, estamos falando de uma sabedoria hebraica que dialogou em exílios e dispersão com conhecimentos de outros povos, principalmente persas e agora os gregos. Esta, certamente, é uma das razões pelas quais a sabedoria mais tardia de Israel se tornou bastante crítica à sabedoria antiga e principalmente aquela da tradição salomônica muito demarcada pela ideia de retribuição.

O pregador, autor de Eclesiastes, chama a atenção para a complexidade da vida. Para ele, as coisas não acontecem de modo tão mecânico como ensinava a sabedoria antiga,  a vida não funciona dessa maneira. Podemos até conseguir prosperidade financeira, mas isso não significa que nossa vida ficará melhor, que encontraremos o bem-viver. Podemos alcançar o poder político e outros poderes, o que parece ser símbolo de prosperidade, mas isso não é garantia que seremos felizes. O mesmo acontece com o sucesso acadêmico e orgulhos ilustrados. Para o Coelet o bem-viver, a boa vida estão nas coisas mais simples que muitas vezes desprezamos. Jesus lembrou seus discípulos sobre isso quando orientou que olhassem para os lírios do campo e para os pássaros, as coisas simples da natureza.

Como FTL sonhamos coisas grandes, grandes eventos, grandes publicacões, e, muitas vezes, ao focar e mirar essas coisas grandes deixamos de enxergar e valorizar as coisas simples, e que são aquelas que mais encontramos em nossos caminhos, que de fato identifica o que somos como pessoas e organização.

Por exemplo  Em nossas assembleias e consultas percebo sempre alguns rostos que estão em todos os eventos, estão sempre conosco, não faltam e são muito participantes, como temos valorizado essas pessoas que estão conosco nessa caminhada, que mais do que membros se fazem parceiros e amigos? Uma aplicação (ainda que meio forçada, assumo isso) de Eclesiastes 9.9 seria a orientação para desfrutarmos a vida com nossos companheiros, como dizia nosso pregador, aparentemente mal humorado, “nessa vida sem sentido”.

Outra situação são as pequenas produções dos núcleos de teólogas e teólogos ainda não muito conhecidos. Ficamos presos, muitas vezes, aos famosos nomes que sempre se repetem em nossas agendas de eventos e não enxergamos tantos e tantas outras boas teólogas e teólogos em nosso meio, com isso, contribuímos para a invisibilização de muitos excelentes pensadores e não formamos, assim, novas gerações de teólogos/as na FTL. É preciso enxergar, visibilizar e des-esconder pessoas e grupos. É preciso colocar na prática aquilo que já discursamos em nossos eventos e publicações.

Um último exemplo seria pensar nos parâmetros missionais que temos como FTL. Valdir Steuernagel mencionou certa vez que temos que aprender a fazer missão em América Latina a partir de nossas pobrezas (livro Obediência Missionária e Prática Histórica). Isso significa que temos que pensar a partir de aqui, de nossa América Latina, e não ficarmos nos comparando com grandes organizações de partes mais ricas do mundo. Não é isso que somos e nem devemos ser. Nossa simplicidade é nosso mais precioso bem.

Jesus nos convida a olhar os pardais e os lírios que se espalham por nossa FTL, e o autor de Eclesiastes, nosso amigo sábio pregador, Coelet, nos chama a valorizar as coisas mais simples e reconhecer nelas nosso tempo de felicidade, pois é nelas que está nosso bem-viver, como pessoas e como organização.

Não conseguiremos fazer isso em América Latina sem ouvir os povos de culturas ancestrais, as comunidades de fé, as teólogas e teólogos escondidos, aqueles e aquelas que estão nos núcleos compartilhando ideias teólogicas e testemunhos missionais, pois são eles que guardam a sabedoria de boa vivência e da nossa teologia em América Latina. Nós, estamos muito envolvidos com as culturas capitalistas ocidentais, que muitas vezes são muito mais como vampiros de nossas vidas, passando a falsa ideia de que somos importantes, mas como diz Boaventura de Souza Santos, nos mantendo na escuridão epistemológica e sempre tendo que aprender deles. 

(Devocional apresentada em reunião do CD - FTL em junho de 2020)

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