segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Imigração e Refúgio


 Regina Fernandes

 

1.    Brasil: um país de imigrantes

Como um país de vasto território, o Brasil não somente recebeu historicamente muitos imigrantes, como eles fizeram parte da configuração da população brasileira, que surgiu ainda que em condições adversas da mistura de povos. Na onda europeia, depois da imigração colonizadora portuguesa, chegaram ao Brasil suíços, alemães, italianos, ucranianos, poloneses, eslavos e outros que não somente contribuíram para a formação do nosso povo, mas para a organização da geografia e economia do país. Da mesma forma, vieram árabes, turcos e libaneses instalando-se em cidades diversas, principalmente São Paulo, contribuindo com o desenvolvimento seu comercial.

Na onda asiática temos os japoneses que começaram a chegar ao Brasil no início do sec. XX, da qual o navio Kasato Maru (1908) tornou-se um dos marcos, fazendo com que o Brasil se tornasse o país com maior população japonesa fora do Japão.  Ainda nesse incurso asiático temos recebido na atualidade coreanos e chineses com sua presença marcante no comércio principalmente nos centros urbanos. No influxo das imigrações têm vindo para o Brasil atualmente grupos de latino-americanos, africanos, haitianos e aqueles que chegam ao país como refugiados das perseguições políticas e religiosas como paquistaneses, sírios etc.:

- embora de diminuta expressão numérica, a entrada e saída de pessoas do território nacional nunca cessou. Poder-se-ia dizer que o Brasil beneficiou-se da "invasão de cérebros" vindos de países vizinhos, em grande parte dos quais afugentados pelos regimes autoritários dos anos 70, bem como a entrada de europeus, nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial - que são, entre outros, exemplos de pequeno, mas intermitente afluxo de estrangeiros;[1]

 Em virtude disso, receber, interagir e integrar imigrantes não é algo de todo estranho ao povo brasileiro. Na realidade, o Brasil, além dos indígenas que são considerados os nativos do país e dos descendentes de africanos trazidos por meio da escravidão, o que não os coloca na condição de imigração pois seria amenizar um dano histórico, é formado populacionalmente por descendentes de imigrantes que se integraram à população existente e fizeram da nação a sua própria pátria. Em reconhecimento desse fato um imigrante boliviano que veio para o Brasil cursar pós-graduação e decidiu permanecer comentou que espera que os descendentes dos novos imigrantes se comportem de modo diferente, conforme afirma “Os filhos esqueceram que os pais foram imigrantes, e às vezes nos tratam como bichos de outro planeta”.[2]

 

2.    A condição de imigrante e refugiado no Brasil

Por outro lado, a tendência à naturalização da pobreza, da violência e desassistência à própria população brasileira incorre no risco de colocar tais imigrantes e refugiados em um mesmo espécie de bolsão daqueles que vivem em situações precárias no país. No Brasil não causa de todo estranheza ver estrangeiros em condições de grave carência em nossas cidades. Mesmo aqueles submetidos a situações de trabalho escravo ou abusos, acabam sendo contados no conjunto dos milhares de brasileiros que sofrem na mesma condição.

Há, todavia, questões diferenciadoras em relação à situação do estrangeiro no país, que normalmente desconhece, em princípio, as leis do país, sua história e cultura, organização e movimento social. Isto afeta principalmente aqueles imigrantes que vem em busca de melhores condições de vida ou aqueles que buscam refúgios, e que acabam se submetendo a situações adversas para fins de permanência em uma condição que ainda que seja precária, por vezes, é mais segura do que àquelas de origem.

Outra questão a se considerar é que o movimento é tanto de vinda como de ida, pois o país também é um grande exportador de migrantes, principalmente jovens, que seguem rumo aos países mais ricos em busca de educação, emprego e melhores condições de vida. O país que acolhe é também o país que precisa ser acolhido. O fluxo de emigração está certamente relacionado ao da constante imigração, que gera vínculos e possibilidades de movimentos de pessoas. Isto significa que as imigrações, no caso do Brasil, não somente têm trazido pessoas, mas aberto possibilidades de brasileiros também se deslocarem para outros países, como no caso de descendentes de italianos, espanhóis, japoneses etc.

Não é nossa tarefa aqui problematizar as situações provocadoras das migrações e imigrações, embora temos consciência que a globalização é um dos principais fatores geradores desse movimento global de pessoas, como afirmou a Profa. Neide Patarra:

É de fundamental importância considerar que os movimentos migratórios internacionais constituem a contrapartida da reestruturação territorial planetária - que, por sua vez, está intrinsecamente relacionada à reestruturação econômico-produtiva em escala global[3].

Mas é preciso lembrar que são causas que apontam caminhos para a inclusão e integração daqueles que recorrem ao Estado brasileiro como lugar legítimo de proteção e legalização para a construção de novas condições de vida. Isto significa que tais esforços não devem ser generalizados na sua forma, mas geradores de políticas e ações governamentais que resultem em soluções factíveis e de acordo com as situações específicas.

 

3.    Uma Pedagogia do Acolhimento

O verbo “acolher” tem o sentido de “receber em casa”, “recolher”, “receber com agrado”, “refugiar”.[4] Tanto quanto o Estado brasileiro possui a responsabilidade de receber pessoas que pedem abrigo, toda a sociedade brasileira deve ser chamada a envolver-se com essa tarefa, o que gera uma demanda pedagógica de desenvolvimento de uma consciência acolhedora, inclusiva e cuidadora. Isto já vem sendo feito no âmbito da educação e social em geral, inclusive com implicações legais, em relação a grupos diversos que formam a sociedade brasileira e que muitas vezes são colocados à margem dessa mesma sociedade. É preciso que tais esforços pedagógicos incluam o estrangeiro, principalmente aqueles recebidos em condição de refúgio e imigração, a fim de que sua inclusão não se dê somente no plano legal, mas de ampla interação social.

Isto é possível, ao menos na nação brasileira, porque tais estrangeiros são a condição recente da maior parte dos brasileiros em suas origens mais remotas. Trata-se de um acolher por ter sido também acolhido em terras que originalmente não nos pertenciam e das quais, de certa forma, não fazíamos parte. Isto coloca o estrangeiro sempre na condição de um igual e que está lutando pela vida, tanto quanto nossos antepassados o fizeram, possibilitando então nossa própria existência.

Outro fator importante é de ordem filosófica, de que nossa humanidade encontra sentido na medida que reconhecemos a humanidade do outro e, portanto, o tratamos com a dignidade própria dessa condição. A cultura trazida por ele torna-se enriquecedora de nossa cultura, a língua enriquecedora de nossa língua e o trabalho contribui para o desenvolvimento do país, tal qual tem acontecido no decorrer dos séculos em nossa nação.

Acolher, neste caso, não significa receber de qualquer forma, mas incluir e influir para a criação de oportunidades de trabalho, moradia, educação, saúde e para as demais necessidades humanas importantes de serem atendidas para uma vida digna. Acolher também não significa paternalizar ou assistencializar, que são formas camufladas de negação das potencialidades do outro e sua possível dominação; mas mediar possibilidades para que imigrantes e refugiados possam articular a construção de sua nova vida com todas as capacidades que ele traz em si e consigo, bem como desenvolve na experiência de imigração e refúgio. Neste sentido, inclusão é muito mais esforço de mediação,

 



[1] Neide Lopes Patarra. Migrações internacionais de e para o Brasil contemporâneo: volumes, fluxos, significados e políticas. São Paulo Perspec. vol.19 no.3 São Paulo July/Sept. 2005.

[2] Comentário extraído de: <<http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/01/1579103-nova-onda-de-imigracao-atrai-para-sao-paulo-latino-americanos-e-africanos.shtml>> Acesso em 13/09/2016.

[3] Neide Lopes Patarra. Migrações internacionais de e para o Brasil contemporâneo: volumes, fluxos, significados e políticas. São Paulo Perspec. vol.19 no.3 São Paulo July/Sept. 2005.

[4] "acolher", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/acolher [consultado em 13-09-2016].

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