Regina Fernandes
1. Brasil: um país de imigrantes
Como um
país de vasto território, o Brasil não somente recebeu historicamente muitos imigrantes,
como eles fizeram parte da configuração da população brasileira, que surgiu
ainda que em condições adversas da mistura de povos. Na onda europeia, depois
da imigração colonizadora portuguesa, chegaram ao Brasil suíços, alemães,
italianos, ucranianos, poloneses, eslavos e outros que não somente contribuíram
para a formação do nosso povo, mas para a organização da geografia e economia
do país. Da mesma forma, vieram árabes, turcos e libaneses instalando-se em
cidades diversas, principalmente São Paulo, contribuindo com o desenvolvimento
seu comercial.
Na onda
asiática temos os japoneses que começaram a chegar ao Brasil no início do sec.
XX, da qual o navio Kasato Maru (1908) tornou-se um dos marcos, fazendo com que
o Brasil se tornasse o país com maior população japonesa fora do Japão. Ainda nesse incurso asiático temos recebido na
atualidade coreanos e chineses com sua presença marcante no comércio
principalmente nos centros urbanos. No influxo das imigrações têm vindo para o
Brasil atualmente grupos de latino-americanos, africanos, haitianos e aqueles
que chegam ao país como refugiados das perseguições políticas e religiosas como
paquistaneses, sírios etc.:
- embora
de diminuta expressão numérica, a entrada e saída de pessoas do território
nacional nunca cessou. Poder-se-ia dizer que o Brasil beneficiou-se da
"invasão de cérebros" vindos de países vizinhos, em grande parte dos
quais afugentados pelos regimes autoritários dos anos 70, bem como a entrada de
europeus, nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial - que são, entre
outros, exemplos de pequeno, mas intermitente afluxo de estrangeiros;[1]
Em virtude disso, receber, interagir e
integrar imigrantes não é algo de todo estranho ao povo brasileiro. Na
realidade, o Brasil, além dos indígenas que são considerados os nativos do país
e dos descendentes de africanos trazidos por meio da escravidão, o que não os
coloca na condição de imigração pois seria amenizar um dano histórico, é
formado populacionalmente por descendentes de imigrantes que se integraram à
população existente e fizeram da nação a sua própria pátria. Em reconhecimento
desse fato um imigrante boliviano que veio para o Brasil cursar pós-graduação e
decidiu permanecer comentou que espera que os descendentes dos novos imigrantes
se comportem de modo diferente, conforme afirma “Os filhos esqueceram que os
pais foram imigrantes, e às vezes nos tratam como bichos de outro planeta”.[2]
2. A condição de imigrante e refugiado no Brasil
Por
outro lado, a tendência à naturalização da pobreza, da violência e
desassistência à própria população brasileira incorre no risco de colocar tais imigrantes
e refugiados em um mesmo espécie de bolsão daqueles que vivem em situações
precárias no país. No Brasil não causa de todo estranheza ver estrangeiros em
condições de grave carência em nossas cidades. Mesmo aqueles submetidos a
situações de trabalho escravo ou abusos, acabam sendo contados no conjunto dos
milhares de brasileiros que sofrem na mesma condição.
Há,
todavia, questões diferenciadoras em relação à situação do estrangeiro no país,
que normalmente desconhece, em princípio, as leis do país, sua história e
cultura, organização e movimento social. Isto afeta principalmente aqueles
imigrantes que vem em busca de melhores condições de vida ou aqueles que buscam
refúgios, e que acabam se submetendo a situações adversas para fins de
permanência em uma condição que ainda que seja precária, por vezes, é mais
segura do que àquelas de origem.
Outra
questão a se considerar é que o movimento é tanto de vinda como de ida, pois o país
também é um grande exportador de migrantes, principalmente jovens, que seguem
rumo aos países mais ricos em busca de educação, emprego e melhores condições
de vida. O país que acolhe é também o país que precisa ser acolhido. O fluxo de
emigração está certamente relacionado ao da constante imigração, que gera
vínculos e possibilidades de movimentos de pessoas. Isto significa que as
imigrações, no caso do Brasil, não somente têm trazido pessoas, mas aberto
possibilidades de brasileiros também se deslocarem para outros países, como no
caso de descendentes de italianos, espanhóis, japoneses etc.
Não é
nossa tarefa aqui problematizar as situações provocadoras das migrações e
imigrações, embora temos consciência que a globalização é um dos principais
fatores geradores desse movimento global de pessoas, como afirmou a Profa. Neide
Patarra:
É de
fundamental importância considerar que os movimentos migratórios internacionais
constituem a contrapartida da reestruturação territorial planetária - que, por
sua vez, está intrinsecamente relacionada à reestruturação econômico-produtiva
em escala global[3].
Mas é preciso lembrar que são
causas que apontam caminhos para a inclusão e integração daqueles que recorrem
ao Estado brasileiro como lugar legítimo de proteção e legalização para a construção
de novas condições de vida. Isto significa que tais esforços não devem ser
generalizados na sua forma, mas geradores de políticas e ações governamentais
que resultem em soluções factíveis e de acordo com as situações específicas.
3. Uma Pedagogia do Acolhimento
O verbo
“acolher” tem o sentido de “receber em casa”, “recolher”, “receber com agrado”,
“refugiar”.[4]
Tanto quanto o Estado brasileiro possui a responsabilidade de receber pessoas
que pedem abrigo, toda a sociedade brasileira deve ser chamada a envolver-se
com essa tarefa, o que gera uma demanda pedagógica de desenvolvimento de uma
consciência acolhedora, inclusiva e cuidadora. Isto já vem sendo feito no
âmbito da educação e social em geral, inclusive com implicações legais, em
relação a grupos diversos que formam a sociedade brasileira e que muitas vezes
são colocados à margem dessa mesma sociedade. É preciso que tais esforços
pedagógicos incluam o estrangeiro, principalmente aqueles recebidos em condição
de refúgio e imigração, a fim de que sua inclusão não se dê somente no plano
legal, mas de ampla interação social.
Isto é
possível, ao menos na nação brasileira, porque tais estrangeiros são a condição
recente da maior parte dos brasileiros em suas origens mais remotas. Trata-se
de um acolher por ter sido também acolhido em terras que originalmente não nos
pertenciam e das quais, de certa forma, não fazíamos parte. Isto coloca o
estrangeiro sempre na condição de um igual e que está lutando pela vida, tanto
quanto nossos antepassados o fizeram, possibilitando então nossa própria
existência.
Outro
fator importante é de ordem filosófica, de que nossa humanidade encontra
sentido na medida que reconhecemos a humanidade do outro e, portanto, o
tratamos com a dignidade própria dessa condição. A cultura trazida por ele
torna-se enriquecedora de nossa cultura, a língua enriquecedora de nossa língua
e o trabalho contribui para o desenvolvimento do país, tal qual tem acontecido
no decorrer dos séculos em nossa nação.
Acolher,
neste caso, não significa receber de qualquer forma, mas incluir e influir para
a criação de oportunidades de trabalho, moradia, educação, saúde e para as
demais necessidades humanas importantes de serem atendidas para uma vida digna.
Acolher também não significa paternalizar ou assistencializar, que são formas
camufladas de negação das potencialidades do outro e sua possível dominação;
mas mediar possibilidades para que imigrantes e refugiados possam articular a
construção de sua nova vida com todas as capacidades que ele traz em si e
consigo, bem como desenvolve na experiência de imigração e refúgio. Neste
sentido, inclusão é muito mais esforço de mediação,
[1] Neide
Lopes Patarra. Migrações internacionais de e para o Brasil contemporâneo:
volumes, fluxos, significados e políticas. São Paulo Perspec. vol.19 no.3 São
Paulo July/Sept. 2005.
[2]
Comentário extraído de: <<http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/01/1579103-nova-onda-de-imigracao-atrai-para-sao-paulo-latino-americanos-e-africanos.shtml>>
Acesso em 13/09/2016.
[3] Neide
Lopes Patarra. Migrações internacionais de e para o Brasil contemporâneo:
volumes, fluxos, significados e políticas. São Paulo Perspec. vol.19 no.3 São
Paulo July/Sept. 2005.
[4] "acolher",
in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/acolher
[consultado em 13-09-2016].