sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

AVIVAMENTO E AVIVAMENTOS



Regina Fernandes 

Vem sendo noticiado nas redes de notícias evangélicas online, que está acontecendo um avivamento entre a comunidade acadêmica na Universidade Asbury. Alguns relembram que em 1970 houve um fenômeno parecido na mesma universidade. Não há necessidade de negar que o que está acontecendo naquele lugar, pois é ação divina, nem mesmo que seja um avivamento da fé daquelas pessoas e daquela comunidade. Mas, certamente, não se trata de um avivamento daqueles que se conta na história do cristianismo e que, inclusive foi gerador do evangelicalismo, independente das proporções que assumir e vou explicar por quê.

Avivamentos são “moveres” (movimentos) do Espírito que revitalizam o ânimo de grupos e comunidades diversas, sejam eles pentecostais ou não. Houve inúmeros na história do cristianismo. Como movimento de Deus no mundo sempre possuem o lado divino e o lado humano, tal qual a Bíblia, tal qual o próprio Jesus Cristo. O lado de Deus, através do seu Espírito, é mover, animar, revitalizar por uma força poderosa, pneumática ou não (no sentido pentecostal do termo) grupos diversos que estão no seu seguimento. O lado do grupo é experienciar e decidir o que fará com essa experiência. Sim, é possível e necessário pensar e decidir o que fazer nesses casos! – Reforço isso porque sempre que pensamos no poder do Espírito imaginamos algo tão controlador que perdemos toda capacidade de agir, de pensar, de decidir e mesmo de interagir com o Espírito, e não funciona assim. Na realidade, é essa compreensão equivocada que faz com que muitos fundamentalistas acreditem que os profetas bíblicos foram tomados pelo Espírito que ditava a eles o que pronunciar e escrever, de igual forma, muitos pentecostais que entendem que o dom profético se dá da mesma maneira. Mas, Paulo orientou a Igreja em Corinto sobre isso e explicou: “Pois vocês todos podem profetizar, cada um por sua vez, de forma que todos sejam instruídos e encorajados. Os espíritos dos profetas estão sujeitos aos profetas. Pois Deus não é Deus de desordem, mas de paz.” (1 Cor 14:31-33). Sua exortação faz entender e nos ensina que ao humano é dado o direito e a possibilidade de ordenar e direcionar a experiência para o bem da comunidade e do mundo: “de forma que todos sejam instruídos e encorajados”.

Um avivamento não visa o prazer individual ou mesmo de um grupo em uma forma privada e exclusiva, mas é sempre para algo. Não é incorreto entender que em um tempo de tantas perdas e dores devido à recente pandemia, guerras (Rússia e Ucrânia), terremotos (Turquia e Síria), abandono e morte (Yanomamis e demais indígenas no Brasil), guerras e fome (África) e tantas outras situações de sofrimento, o Espírito não queira animar comunidades para que sejam boas novas de cuidado e vida nessas situações. Mas o que será que farão com essa experiência em Asbury e em outros avivamentos pelo mundo afora, ou o que já estão fazendo com ela?

Sobre outros avivamentos, já ouvimos falar da reunião de oração pelas missões dos moravianos que durou 100 anos; também sabemos do avivamento britânico no sec. XVIII que inclusive deu origem ao metodismo e ao evangelicalismo, se espalhando por várias regiões da Europa e depois na América do Norte, onde virou “avivamentismo”, e como resultou no movimento missionário protestante moderno.

Ainda na esteira do metodismo sabemos do Avivamento da Rua Azusa que originou o Pentecostalismo. No Brasil e em outras regiões da América Latina e da África houve outro intenso avivamento na década de 60 do século passado, que ficou conhecimento como Renovação Espiritual e deu origem às igrejas renovadas de várias representações denominacionais históricas tradicionais. Esse último resultou na realização por vários anos dos famosos “Encontros de Avivamento”, onde denominações e igrejas se reuniam por dias em algum lugar e experienciavam esse “mover do Espírito”. Certamente na África isso ainda acontece com frequência entre vários grupos e nos pentecostalismos latino-americano também é comum. Mas, qual a diferença em Asbury? Será o fato de ser nos EUA e tudo o que acontece lá parece ser especial, universalizável e normativo para os demais povos, principalmente em tempos de globalização “democrática” onde os avivamentos nos EUA e Europa são noticiáveis e tomam as mídias enquanto em regiões da América Latina e África passam despercebidos? - Esperar para ver o que irão fazer com essa experiência.

Precisamos lembrar que nossas pneumatologias contemporâneas chamam a atenção para aspectos importantes do mover do Espírito no mundo que não eram tão destacados em teologias mais antigas, principalmente aquelas que nos trouxeram do sul global. O Espírito Santo é sempre o Espírito da vida, Espírito Criador e Espírito que vitaliza a criação. Quando ele nos reanima é para sermos participantes dessa sua missão em prol da vida, onde e quando ela estiver ameaçada. Todo avivamento deve ter isso como critério de discernimento, o quanto ele nos move e nos permitimos mover nessa direção. 

Uma coisa é certa, as missões modernas que foram realizadas no impulso do avivamento evangelical, não ouviram toda a orientação do Espírito ao animá-los em direção aos povos, pois ainda que tenham trazido para as nossas regiões a fé evangélica e as suas igrejas, o fizeram também no impulso e como braço religioso dos expansionismos econômicos e culturais e imperialismos modernos, dos quais até hoje ainda somos dependentes. É preciso, mesmo em avivamentos, se diferenciar o divino e o humano, o trigo do joio, o bem do mal, pois o Espírito, por mais que se mova poderosamente em nosso meio, não anula os nossos desejos e ações, pelos quais sempre devemos ser responsáveis.

O Espírito age em nosso meio, certamente age, mas o que faremos em nossa parte desse mover?



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