sábado, 18 de setembro de 2021

Teologia e Pastoral em Tempos de Pandemia

 


 Regina Fernandes

            Temos aqui três assuntos pontos, da teologia, da pastoral e do contexto atual. A pastoral tem sido sempre relacionada, bíblica ou historicamente, com o cuidado, tanto em sua compreensão mais restrita de ministério ordenado como na sua forma mais ampla de ministério da comunidade eclesial. As demais ações realizadas no âmbito da pastoral, como ensino, pregação, gestão etc. se justificam nessa responsabilidade do cuidado e em vista dela.

            Quanto ao COVID-19 estamos no “olho do furacão”, e, quando isso acontece, somos envoltos por nuvens espessas que nos impedem de ver a gravidade e violência do problema. Quando elas passam e conseguimos sobreviver, nos deparamos então com um cenário de destruição que ele deixa pelo caminho. Assim é a pandemia, um problema global, que coloca ricos e pobres à mercê da morte. Certamente que cabe aqui aquela diferenciação entre igualdade e justiça, embora o problema afete a todos, nem todos estão em condições iguais ou igualitárias de lidar com ele. Por questões sócio-históricas certamente muitos sofrem ou sofrerão muitos danos que poderiam ser evitados em outras condições.

A teologia é sempre um saber da fé, ao menos em uma definição do evangelicalismo latino-americano, e, ainda neste caso, requer ser um saber contextualizado na vida a partir do qual ele se faz. Precisamos lembrar que a TLA que surgiu no contexto da FTL nasceu como esforço de correspondência da fé cristã à contextos sofridos da América Latina. Trata-se de uma teologia provocada pela situação histórica. O fato de ser contextual exige dela estar sempre se refazendo à luz dos novos contextos de tempo e lugar. O tempo atual é justamente um daqueles momentos e situações que coloca à prova sua capacidade encarnacional, de correspondência ao contexto e comprovação de sua vigência e relevância. Esse, de fato, é o grande desafio que pesa sobre a TLA hoje.

Para pensarmos qual o papel de Deus ou sua relação com esse cenário caótico precisamos seguir o movimento proposto pela TLA de olhar o contexto criticamente e corresponder a ele à luz das Escrituras em vista de uma missão que integra os vários aspectos da vida. Teremos que resistir à tentação de dar respostas fáceis a questões difíceis, como aquelas associações milenaristas de que vivemos um tempo de encerramento escatológico com pestes, guerras e destruições. Não é está a resposta que queremos ouvir, e nem a de que Deus nos abandonou à nossa própria sorte, seja por causa de sua inoperância no mundo ou por causa do pecado de muitos.

A TLA evangélica diferiu em sua proposta teológica, em seu modo de se fazer, por entender que devemos assumir o contexto a partir do qual fazemos teologia, mas devemos buscar compreendê-lo de modo abrangente. Devemos olhar para ele tanto com a lente da vida na sua forma mais simples, como do diálogo com as ciências e saberes em geral. Não podemos perder de vista nossa utopia, nosso sonho comum de transformação do mundo. O Reino de Deus é nossa chave de discernimento dessa realidade e a visão que alimenta nossa esperança de que caminhos para uma nova humanidade podem ser construídos mesmo a partir de situações de dor, como a que atravessamos hoje.

Não há como descrever o que estamos passando, não temos visão suficiente do contexto para isso. Estamos de fato em uma nebulosa, nada está claro ou evidente diante de nós, como responder teologicamente a isso? O desafio não é somente o risco de adoecer a qualquer momento por ser infectado por um vírus que é uma verdadeira “caixa de pandora”, da qual saem somente males e que ninguém sabe como seu organismo reagirá à essa invasão. O desafio envolve também o medo da fome, da dívida, de uma economia destroçada pelas medidas necessárias para contenção do mal que percorre o mundo. Mas o desafio é também como responder aos transtornos mentais e emocionais que surgirão em decorrência do medo, dos distanciamentos, das perdas etc. No Brasil acresce o fato da grave crise política que vivemos, com uma espécie de guerra-fria entre os poderes, que leva a população à dispersão de uma energia que deveria estar concentrada na busca de superação dos danos da epidemia. Estamos sendo levados aos limites de nossas forças.

Deus nos abandonou? De certo não. Nunca o vi tão presente, naqueles que chamam para a paz, nos milhares de voluntários que se colocam à disposição para servir até mesmo sob risco de serem infectados, nos profissionais da saúde que são levados à exaustão e , muitas vezes, até à morte por não deixarem seus postos, naqueles irmãos na fé que nos surpreendem com uma ligação ou mensagem no WhatsApp com a simples pergunta: como vocês estão? – Há muito coisa ruim, perversa emergindo nesta crise global, mas é preciso reconhecer que também nos encanta a beleza de gestos, ações e esforços de muito, a ponto de nos levar a acreditar na possibilidade de uma nova humanidade. 

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