Temos aqui três assuntos pontos, da
teologia, da pastoral e do contexto atual. A pastoral tem sido sempre
relacionada, bíblica ou historicamente, com o cuidado, tanto em sua compreensão
mais restrita de ministério ordenado como na sua forma mais ampla de ministério
da comunidade eclesial. As demais ações realizadas no âmbito da pastoral, como
ensino, pregação, gestão etc. se justificam nessa responsabilidade do cuidado e
em vista dela.
Quanto ao COVID-19 estamos no “olho
do furacão”, e, quando isso acontece, somos envoltos por nuvens espessas que
nos impedem de ver a gravidade e violência do problema. Quando elas passam e
conseguimos sobreviver, nos deparamos então com um cenário de destruição que
ele deixa pelo caminho. Assim é a pandemia, um problema global, que coloca
ricos e pobres à mercê da morte. Certamente que cabe aqui aquela diferenciação
entre igualdade e justiça, embora o problema afete a todos, nem todos estão em
condições iguais ou igualitárias de lidar com ele. Por questões
sócio-históricas certamente muitos sofrem ou sofrerão muitos danos que poderiam
ser evitados em outras condições.
A
teologia é sempre um saber da fé, ao menos em uma definição do evangelicalismo
latino-americano, e, ainda neste caso, requer ser um saber contextualizado na
vida a partir do qual ele se faz. Precisamos lembrar que a TLA que surgiu no
contexto da FTL nasceu como esforço de correspondência da fé cristã à contextos
sofridos da América Latina. Trata-se de uma teologia provocada pela situação
histórica. O fato de ser contextual exige dela estar sempre se refazendo à luz
dos novos contextos de tempo e lugar. O tempo atual é justamente um daqueles
momentos e situações que coloca à prova sua capacidade encarnacional, de
correspondência ao contexto e comprovação de sua vigência e relevância. Esse,
de fato, é o grande desafio que pesa sobre a TLA hoje.
Para
pensarmos qual o papel de Deus ou sua relação com esse cenário caótico
precisamos seguir o movimento proposto pela TLA de olhar o contexto
criticamente e corresponder a ele à luz das Escrituras em vista de uma missão
que integra os vários aspectos da vida. Teremos que resistir à tentação de dar
respostas fáceis a questões difíceis, como aquelas associações milenaristas de
que vivemos um tempo de encerramento escatológico com pestes, guerras e
destruições. Não é está a resposta que queremos ouvir, e nem a de que Deus nos
abandonou à nossa própria sorte, seja por causa de sua inoperância no mundo ou
por causa do pecado de muitos.
A
TLA evangélica diferiu em sua proposta teológica, em seu modo de se fazer, por
entender que devemos assumir o contexto a partir do qual fazemos teologia, mas
devemos buscar compreendê-lo de modo abrangente. Devemos olhar para ele tanto
com a lente da vida na sua forma mais simples, como do diálogo com as ciências
e saberes em geral. Não podemos perder de vista nossa utopia, nosso sonho comum
de transformação do mundo. O Reino de Deus é nossa chave de discernimento dessa
realidade e a visão que alimenta nossa esperança de que caminhos para uma nova
humanidade podem ser construídos mesmo a partir de situações de dor, como a que
atravessamos hoje.
Não
há como descrever o que estamos passando, não temos visão suficiente do
contexto para isso. Estamos de fato em uma nebulosa, nada está claro ou
evidente diante de nós, como responder teologicamente a isso? O desafio não é
somente o risco de adoecer a qualquer momento por ser infectado por um vírus que
é uma verdadeira “caixa de pandora”, da qual saem somente males e que ninguém
sabe como seu organismo reagirá à essa invasão. O desafio envolve também o medo
da fome, da dívida, de uma economia destroçada pelas medidas necessárias para
contenção do mal que percorre o mundo. Mas o desafio é também como responder
aos transtornos mentais e emocionais que surgirão em decorrência do medo, dos
distanciamentos, das perdas etc. No Brasil acresce o fato da grave crise
política que vivemos, com uma espécie de guerra-fria entre os poderes, que leva
a população à dispersão de uma energia que deveria estar concentrada na busca
de superação dos danos da epidemia. Estamos sendo levados aos limites de nossas
forças.
Deus
nos abandonou? De certo não. Nunca o vi tão presente, naqueles que chamam para
a paz, nos milhares de voluntários que se colocam à disposição para servir até
mesmo sob risco de serem infectados, nos profissionais da saúde que são levados
à exaustão e , muitas vezes, até à morte por não deixarem seus postos, naqueles
irmãos na fé que nos surpreendem com uma ligação ou mensagem no WhatsApp com a
simples pergunta: como vocês estão? – Há muito coisa ruim, perversa emergindo
nesta crise global, mas é preciso reconhecer que também nos encanta a beleza de
gestos, ações e esforços de muito, a ponto de nos levar a acreditar na
possibilidade de uma nova humanidade.
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