sexta-feira, 11 de novembro de 2022

A importância da Teologia e das/os teólogas/os para a Igreja – uma análise histórica

 


A importância da Teologia e das/os teólogas/os para a Igreja – uma análise histórica

Regina Fernandes 

As vezes as pessoas se esquecem de algumas coisas importantes acerca da Bíblia, outras vezes não sabem sobre elas, outras vezes ignoram essas coisas e outras vezes as omitem propositalmente. O movimento teológico no contexto bíblico é uma dessas coisas. Aquelas pessoas que defendem a inspiração literal do texto bíblico, no estilo mais islâmico de transmissão divina, como o Corão, certamente têm mais dificuldade de admitir que a transmissão da revelação de Deus foi processual, dinâmica e humanamente participativa. Nessa compreensão a inspiração está mais no humano que registra a revelação do que no Espírito que a resguarda, pois, a depender do humano e do seu nível de participação, não é texto sagrado. Mas quem concebe uma inspiração mais dinâmica, em todo o processo transmissivo, realizada no movimento entre divino e humano, que confia que o Espírito Santo tratou de, nesse processo, resguardar o que era importante da revelação de Deus para nós, independente do humano, da tinta ou da data do registro final, consegue perceber claramente um movimento teológico na história bíblica, de homens e algumas mulheres pensando a revelação de Deus, participando assim da construção final do texto bíblico. Isso não seria novidade no modo encarnacional em que Deus age no mundo.

            Tratando desde essa perspectiva, é possível afirmar que os textos do Antigo Testamento são fruto de toda uma reflexão teológica, que se deu de forma sapiencial, narrativa e integrada na vida do povo de Israel. Podemos admitir, sem medo de pecar, que o Pentateuco é resultado de todo um trabalho não somente transmissivo, como se as pessoas fossem meros megafones nas mãos de Deus, mas de produção de conhecimento, no melhor estilo hebraico de construí-lo, onde o divino e o humano participam. Entretanto, também podemos considerar que se trata de uma teologia diferenciada, fontal para nossa teologia, com autoridade diferente da nossa. Da mesma forma, é possível pensar acerca da HDTa e até mesmo dos profetas (do profetismo de Israel), que ouviram e sentiram de Deus, interpretaram, associaram, refletiram, comunicaram e pensaram novamente até que se tornou registro. Os Escritos são mais fáceis ainda de se comprovar isso, pois expressam claramente o encontro com outros conhecimentos de sua época, outras filosofias e como são fruto de profunda reflexão nesse jogo de mistura de saberes.

            No Novo Testamento, vemos esse movimento teológico em Jesus Cristo, que gostava não somente de pensar o conhecimento de Deus, mas de conversar com pessoas, inclusive mulheres como Maria e a Mulher Samaritana sobre ele, gostava de provocar seus discípulos à reflexão, frequentava a Sinagoga judaica que era lugar de hermenêutica, de leitura e explicação das Escrituras. Jesus era um teólogo e legou isso aos seus discípulos, que ao contar sobre ele uns para os outros o fizeram teologicamente, os livros neotestamentários são somente o resultado de uma ebulição de contar histórias sobre Jesus, pensar acerca delas, pesquisar informações e registrar o que se pesquisou, assim surgiram os evangelhos. As cartas de Paulo são pura teologia, provocada pelas comunidades e suas necessidades de entendimento da própria fé e orientação da vida com Deus. Paulo derramou em seus escritos seu mais importante conhecimento, que usou para pensar, debruçadamente, sobre essa novidade de Jesus Cristo. As cartas gerais mostram também que seus redatores, apóstolos e outros, não somente fizeram teologia, mas o fizeram para o povo de Jesus Cristo em perseguição e em vista de dar a ele esperança.

            Na história do cristianismo não diferiu, dizem que no período antigo além dos bispos e líderes da Igreja debaterem (e até combaterem) os diversos assuntos da fé cristã em seu início, quando a teologia passou a ser chamada de teologia (por Agostinho de Hipona), as discussões eram tão fervorosas que até nas feiras e nas ruas as pessoas mais simples discutiam sobre as naturezas de Cristo, a configuração trinitária e outros assuntos. Os monges surgiram como alternativa para uma volta à espiritualidade, mas foi nos mosteiros que se fizeram inúmeras cópias dos escritos bíblicos e inclusive que surgiram as escolas, os teólogos mais conhecidos do período antigo do cristianismo surgiram dos mosteiros, pois não há espiritualidade sem teologia.

A Reforma Protestante foi um movimento teológico, que surgiu de inquietações hermenêuticas e da busca de entendimento da salvação. Os reformadores eram doutores em Teologia e também formados em outras ciências, exímios exegetas bíblicos. O documento provocador da Reforma eram teses afixadas em uma porta para gerar uma discussão metodologicamente escolástica.

No sec. XVIII um fenômeno moveu o protestantismo europeu e, além de ações ministeriais diversas, inclusive de cunho social, fez com que missionários e missionárias se espalhassem para várias partes do mundo, vindo inclusive para a América Latina implantar a fé protestante-evangélica. Uma das marcas desse avivamento foram as pregações fervorosas e evangelizadoras. Mas, poucos mencionam que esse avivamento iniciou dentro de uma universidade, Oxford, com estudantes de teologia e seus professores, tal qual o Pietismo que o havia influenciado encontrou seu espaço de gestação na Universidade de Universidade de Halle-Vitemberga. O missionarismo buscou seus enviados principalmente dentro das universidades e dos seminários teológicos. Sobre eles, também é importante mencionar que quando vieram para a América Latina iniciaram seus trabalhos com a colportagem da Bíblia e escolas dominicais, com o ensino.

Como se já não bastasse toda essa herança histórica para comprovar que não existisse Igreja sem teologia, e que é a teologia que dá sentido à Igreja e a Igreja que dá lugar, ambiente, à teologia, o pentecostalismo, movimento com discurso centrado na experiência, teve seu início numa escola em Topeka, EUA, em meio às aulas de um grupo de pessoas. É impressionante como o Espírito gosta de agir onde tem pessoas pensado e conversando sobre Deus.

Quando um pastor ou pastora prega ele utiliza para, preparar sua pregação, Bíblias que foram traduzidas e algumas até mesmo comentadas, livros de hermenêutica bíblica, dicionários bíblicos e tantos outros recursos elaborados por teólogos e teólogas. Quando um professor ou professora ensina em uma escola bíblica, ou grupo de estudo bíblico também utiliza muitos recursos parecidos para preparar suas aulas, inclusive vídeos e textos da internet preparados por pessoas da Teologia. Quando a Igreja afirma que é Igreja ela o faz a partir de conhecimentos teológicos, que foram passados a ela, e o mesmo acontece quando cristãs e cristãos afirmam: “sou salvo por Jesus e por sua graça!”. Foram teólogos e teólogas que, no decorrer da história, se debruçaram sobre esses temas e foram esclarecendo-os para o povo da fé. Deus os vocacionou para essa tarefa, e o Espírito Santo se debruça com eles sobre esses densos livros ajudando-os a entendê-los. Deus não faz teologia, pois ele tudo sabe, mas ele ama as teólogas e os teólogos, pois eles, com métodos diversos e ideias das mais estranhas às mais lúcidas, estão ocupadas/os pensando sobre ele e suas obras no mundo.

A pastora e o pastor, boa parte das vezes, estão tão ocupados cuidando das pessoas que não têm tempo para fazer estudos aprofundados dos assuntos da fé, por isso Deus chama pessoas para fazê-lo e dispor livros e outros recursos para eles. Isso também acontece com os demais líderes da Igreja e pessoas com seu tempo tomado pelo ministério. As pessoas vocacionadas para a teologia, para o pensamento da fé, precisam, dialogar, ouvir aqueles e aquelas que estão na linha de frente do ministério da Igreja, mas não poderão atuar diretamente nela, pois estudar e produzir leva tempo e desloca muita energia, e, a prova disso é que muito poucos se dedicam a isso. Não é prudente da parte da Igreja requerer que as pouquíssimas pessoas que se sentem vocacionadas para a área teológica deixem de fazê-lo para se envolver com as tarefas ministeriais que tanto outros e outras gostariam de ter a oportunidade de realizar, mas, ao contrário disso, deve enviá-lo/a prontamente aos estudos teológicos e estimular o avanço nessa carreira e dar a essa pessoas oportunidades e espaço de realizar a educação em seu meio, tanto na forma do ensino como na produção de materiais diversos de conteúdo teológico.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.

  Povo de “dura cerviz”! Regina Fernandes   Ainda ressoam as vozes dos seus profetas, eles não se calam, ao povo que não era povo, q...