A importância da Teologia e das/os
teólogas/os para a Igreja – uma análise histórica
Regina Fernandes
As vezes as pessoas se esquecem de algumas coisas importantes acerca da Bíblia, outras vezes não sabem sobre elas, outras vezes ignoram essas coisas e outras vezes as omitem propositalmente. O movimento teológico no contexto bíblico é uma dessas coisas. Aquelas pessoas que defendem a inspiração literal do texto bíblico, no estilo mais islâmico de transmissão divina, como o Corão, certamente têm mais dificuldade de admitir que a transmissão da revelação de Deus foi processual, dinâmica e humanamente participativa. Nessa compreensão a inspiração está mais no humano que registra a revelação do que no Espírito que a resguarda, pois, a depender do humano e do seu nível de participação, não é texto sagrado. Mas quem concebe uma inspiração mais dinâmica, em todo o processo transmissivo, realizada no movimento entre divino e humano, que confia que o Espírito Santo tratou de, nesse processo, resguardar o que era importante da revelação de Deus para nós, independente do humano, da tinta ou da data do registro final, consegue perceber claramente um movimento teológico na história bíblica, de homens e algumas mulheres pensando a revelação de Deus, participando assim da construção final do texto bíblico. Isso não seria novidade no modo encarnacional em que Deus age no mundo.
Tratando desde essa perspectiva, é
possível afirmar que os textos do Antigo Testamento são fruto de toda uma
reflexão teológica, que se deu de forma sapiencial, narrativa e integrada na
vida do povo de Israel. Podemos admitir, sem medo de pecar, que o Pentateuco é
resultado de todo um trabalho não somente transmissivo, como se as pessoas
fossem meros megafones nas mãos de Deus, mas de produção de conhecimento, no
melhor estilo hebraico de construí-lo, onde o divino e o humano participam.
Entretanto, também podemos considerar que se trata de uma teologia
diferenciada, fontal para nossa teologia, com autoridade diferente da nossa. Da
mesma forma, é possível pensar acerca da HDTa e até mesmo dos profetas (do
profetismo de Israel), que ouviram e sentiram de Deus, interpretaram,
associaram, refletiram, comunicaram e pensaram novamente até que se tornou
registro. Os Escritos são mais fáceis ainda de se comprovar isso, pois expressam
claramente o encontro com outros conhecimentos de sua época, outras filosofias
e como são fruto de profunda reflexão nesse jogo de mistura de saberes.
No Novo Testamento, vemos esse
movimento teológico em Jesus Cristo, que gostava não somente de pensar o
conhecimento de Deus, mas de conversar com pessoas, inclusive mulheres como
Maria e a Mulher Samaritana sobre ele, gostava de provocar seus discípulos à
reflexão, frequentava a Sinagoga judaica que era lugar de hermenêutica, de leitura
e explicação das Escrituras. Jesus era um teólogo e legou isso aos seus
discípulos, que ao contar sobre ele uns para os outros o fizeram
teologicamente, os livros neotestamentários são somente o resultado de
uma ebulição de contar histórias sobre Jesus, pensar acerca delas, pesquisar
informações e registrar o que se pesquisou, assim surgiram os evangelhos. As
cartas de Paulo são pura teologia, provocada pelas comunidades e suas
necessidades de entendimento da própria fé e orientação da vida com Deus. Paulo
derramou em seus escritos seu mais importante conhecimento, que usou para
pensar, debruçadamente, sobre essa novidade de Jesus Cristo. As cartas gerais
mostram também que seus redatores, apóstolos e outros, não somente fizeram
teologia, mas o fizeram para o povo de Jesus Cristo em perseguição e em vista
de dar a ele esperança.
Na história do cristianismo não diferiu, dizem que no período antigo além dos bispos e líderes da Igreja
debaterem (e até combaterem) os diversos assuntos da fé cristã em seu início,
quando a teologia passou a ser chamada de teologia (por Agostinho de Hipona), as
discussões eram tão fervorosas que até nas feiras e nas ruas as pessoas mais
simples discutiam sobre as naturezas de Cristo, a configuração trinitária e
outros assuntos. Os monges surgiram como alternativa para uma volta à
espiritualidade, mas foi nos mosteiros que se fizeram inúmeras cópias dos
escritos bíblicos e inclusive que surgiram as escolas, os teólogos mais
conhecidos do período antigo do cristianismo surgiram dos mosteiros, pois não
há espiritualidade sem teologia.
A
Reforma Protestante foi um movimento teológico, que surgiu de inquietações
hermenêuticas e da busca de entendimento da salvação. Os reformadores eram
doutores em Teologia e também formados em outras ciências, exímios exegetas bíblicos.
O documento provocador da Reforma eram teses afixadas em uma porta para gerar
uma discussão metodologicamente escolástica.
No
sec. XVIII um fenômeno moveu o protestantismo europeu e, além de ações
ministeriais diversas, inclusive de cunho social, fez com que missionários e
missionárias se espalhassem para várias partes do mundo, vindo inclusive para a
América Latina implantar a fé protestante-evangélica. Uma das marcas desse
avivamento foram as pregações fervorosas e evangelizadoras. Mas, poucos mencionam
que esse avivamento iniciou dentro de uma universidade, Oxford, com estudantes
de teologia e seus professores, tal qual o Pietismo que o havia influenciado encontrou
seu espaço de gestação na Universidade de Universidade de Halle-Vitemberga. O
missionarismo buscou seus enviados principalmente dentro das universidades e
dos seminários teológicos. Sobre eles, também é importante mencionar que quando
vieram para a América Latina iniciaram seus trabalhos com a colportagem da
Bíblia e escolas dominicais, com o ensino.
Como
se já não bastasse toda essa herança histórica para comprovar que não existisse
Igreja sem teologia, e que é a teologia que dá sentido à Igreja e a Igreja que
dá lugar, ambiente, à teologia, o pentecostalismo, movimento com discurso
centrado na experiência, teve seu início numa escola em Topeka, EUA, em meio às
aulas de um grupo de pessoas. É impressionante como o Espírito gosta de agir
onde tem pessoas pensado e conversando sobre Deus.
Quando
um pastor ou pastora prega ele utiliza para, preparar sua pregação, Bíblias que
foram traduzidas e algumas até mesmo comentadas, livros de hermenêutica
bíblica, dicionários bíblicos e tantos outros recursos elaborados por teólogos
e teólogas. Quando um professor ou professora ensina em uma escola bíblica, ou grupo de estudo bíblico também utiliza muitos recursos parecidos para preparar
suas aulas, inclusive vídeos e textos da internet preparados por pessoas da
Teologia. Quando a Igreja afirma que é Igreja ela o faz a partir de
conhecimentos teológicos, que foram passados a ela, e o mesmo acontece quando
cristãs e cristãos afirmam: “sou salvo por Jesus e por sua graça!”. Foram
teólogos e teólogas que, no decorrer da história, se debruçaram sobre esses
temas e foram esclarecendo-os para o povo da fé. Deus os vocacionou para essa
tarefa, e o Espírito Santo se debruça com eles sobre esses densos livros
ajudando-os a entendê-los. Deus não faz teologia, pois ele tudo sabe, mas ele
ama as teólogas e os teólogos, pois eles, com métodos diversos e ideias das
mais estranhas às mais lúcidas, estão ocupadas/os pensando sobre ele e suas
obras no mundo.
A
pastora e o pastor, boa parte das vezes, estão tão ocupados cuidando das pessoas
que não têm tempo para fazer estudos aprofundados dos assuntos da fé, por isso
Deus chama pessoas para fazê-lo e dispor livros e outros recursos para eles.
Isso também acontece com os demais líderes da Igreja e pessoas com seu tempo
tomado pelo ministério. As pessoas vocacionadas para a teologia, para o
pensamento da fé, precisam, dialogar, ouvir aqueles e aquelas que estão na
linha de frente do ministério da Igreja, mas não poderão atuar diretamente
nela, pois estudar e produzir leva tempo e desloca muita energia, e, a prova
disso é que muito poucos se dedicam a isso. Não é prudente da parte da Igreja requerer
que as pouquíssimas pessoas que se sentem vocacionadas para a área teológica
deixem de fazê-lo para se envolver com as tarefas ministeriais que tanto outros
e outras gostariam de ter a oportunidade de realizar, mas, ao contrário disso,
deve enviá-lo/a prontamente aos estudos teológicos e estimular o avanço nessa
carreira e dar a essa pessoas oportunidades e espaço de realizar a educação em
seu meio, tanto na forma do ensino como na produção de materiais diversos de
conteúdo teológico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.