domingo, 26 de setembro de 2021

O cuidado da criação

 



 Regina Fernandes

    O próprio nome da discussão já é, por si, uma afirmação teológica, que parte da ideia de que a vida existente no mundo e seus ambientes são criaturas de Deus. De fato, tanto quanto afirmar o fato de Deus é condição fundamental para qualquer teologia, afirmar que o mundo é criação é fundamental para uma ecoteologia, que se propõe a tratar da vida no mundo em sua relação com Deus.

    Neste caso, não partimos das ciências, mas da própria Teologia, todavia, as ciências biológicas e da terra são mediações teóricas necessárias tanto para a compreensão dessa realidade de vida sobre a qual teologizamos, quanto para percebermos nas Escrituras como a vida acontecia, mesmo que relatada a partir de visão de mundo pré-científica.

    Mas estamos na América Latina, lugar originário de povos de culturas ancestrais, que ainda hoje preservam elementos importantes dessa cultura. Sabemos que o eixo fundamental dessas culturas é a relação com a Mãe Terra, como aquela que alimenta, protege e é a força da vida. A fertilidade da terra, nas suas diversas expressões, é para esses povos sinal de benção divina. Deus fala a eles por meio da terra, então ela é também lugar de sua espiritualidade. Se quisermos falar de Ecoteologia na América Latina não podemos deixar de ouvir tais saberes ancestrais, para que nossa práxis seja orientada muito mais por uma relação com a vida do que meramente por teorias teológicas sistemáticas.

Não seremos capazes de assimilar a prática do bem-viver no sentido natural dessas culturas, pois somos ocidentalizados demais para isso, mas, certamente, podemos aprender o respeito e a dedicação à terra, a construir modos de vida mais simples, a ensinar novas gerações sobre esse viver-melhor, no diálogo com tais culturas. O humano precisa sempre dar sentido às coisas que faz, e a vida é o melhor sentido para uma teologia ecológica.

Outro termo que nos chama a atenção é “cuidado”, que remete para a relação de Deus com tudo o que ele criou. Deus cuida da sua criação. Este é o ponto de partida para uma teologia ecológica. Mas ele não cuida da criação como um investidor cuida interessadamente de seu dinheiro; nem mesmo zela por ela como um pesquisador se ocupa do seu objeto de pesquisa. Talvez a relação mais próxima do cuidado de Deus é da mãe ou do pai com seus filhos e filhas. Um cuidado amoroso, orgânico e relacional. Uma teologia ecológica requer de nós a chamada para essa relação, para esse entendimento, para que seja, também, uma teologia da criação.

Neste caso, a mediação das ciências para compreendermos a vida no mundo e suas relações é indispensável. Elas também são imprescindíveis para nos orientar em uma nova práxis cristã no mundo. Mas, se quisermos falar de criação de Deus e do cuidado dela, na América Latina, precisamos também ouvir as sabedorias ancestrais e como elas nos ensinam a viver no mundo. Para falarmos de cuidado precisamos olhar para as relações humanas e aprender que temos que cuidar das coisas criadas como cuidamos daqueles que mais amamos, tal qual Deus o faz com o mundo por ele criado.

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