quinta-feira, 30 de setembro de 2021

O tema da Tradição em Juan Luís Segundo

 


O tema daTradição em Juan Luís Segundo[1]

A Tradição da Igreja ou Teológica, de acordo com Juan Luís Segundo, diz respeito à elaboração reflexiva e histórica da fé a partir da fé antropológica, num esforço comunitário e constante. Ela utiliza-se da energia barata por ser força conservadora, embora não estática, tendo em vista ser atualizada e revitalizada pela igreja em sua elaboração constante da fé.

No âmbito eclesial a tradição é força viva e de atualização da revelação para as novas situações históricas. A Igreja, comunidade da fé, renova suas tradições, que são fruto da revelação interpretada, ao confrontá-las com as perguntas das situações históricas sempre novas.

A Escritura, produto também da tradição oral, é a força alimentadora da Tradição gerada pela igreja em seu esforço interpretativo e atualização do sentido da Palavra de Deus para os novos tempos. Neste aspecto, a Tradição é sempre viva e geradora de vida e fé.

Conforme Juan Luís Segundo todo esforço de interpretação das Escrituras é contextualizado, tanto em relação ao horizonte bíblico como do leitor e, por isto, é somente aproximativo da verdade que o texto anuncia. Para tal, requer-se uma pré-compreensão decorrente da percepção do tempo e situação histórica de partida para o processo interpretativo.

A Bíblia é um exemplo real do aprender a aprender e esta é a mesma ação por ela gerada. A revelação se dá em meio a este processo tão caracteristicamente humano. No entanto, há o risco da leitura ideologizada quando se dá de forma inconscientemente focada tanto no que diz respeito ao método como em relação ao seu conteúdo. Ela pode se tornar manipuladora do sentido bíblico e inflexivelmente conservadora.

Para que a Escritura oriente a Tradição para uma postura libertadora, é preciso que seja considerada no seu todo, inclusive o seu objetivo educativo evidenciado na história bíblica. O observar o contexto bíblico é fundamental para o entendimento do texto dele resultante.

A prática, ação histórica e contextual, deve ser geradora de reflexão a fim de que possua sentido e cumpra sua função educadora e transformadora da realidade.

 

A Tradição da Igreja

É preciso compreender que formular tradições faz parte da realidade humana, em sua tarefa de pensar e construir a vida. São marcos definidos com o decorrer dos tempos e que devem ser considerados, pois surgem da experiência vivencial de pessoas e grupos sociais afins. O próprio texto bíblico é resultado da elaboração e constante reelaboração das tradições orais, revitalizadas a partir de novas experiências históricas compreendidas à luz dos marcos da fé, no entanto, geradoras de novas luzes sobre eles.

Da mesma forma, como não vivemos isolados no mundo, não vivemos isolados na história e, de fato, o entendimento da revelação não é individual, mas pertencente à comunidade da fé que caminha no tempo e no espaço. Neste sentido, nenhuma geração ou comunidade cristã específica é portadora do conhecimento total de Deus possibilitado pela Escritura. “Construímos sobre construções” já iniciadas e alicerces já estabelecidos, considerando o que já foi feito, mas também em relação à novidade das perguntas do novo contexto.

O contexto, é algo fundamental a ser considerado no processo tanto de interpretação do texto bíblico, como de atualização das tradições. A Palavra de Deus se deu de forma encarnada na realidade humana e situada em contextos específicos, tanto quanto a Tradição Teológica, que surge de um esforço interpretativo da Escrituras, é realizado também por comunidades situadas, das quais  o contexto é determinante para as conclusões formuladoras das tradições. A comunidade de fé atual que recebe essas tradições e visa responder à sua realidade inspirada pelo seu conteúdo, bem como fazendo uso delas para as novas interpretações do texto bíblico, também é parte integrante de uma determinada realidade contextual que a afeta a ponto de desejar responder a ela a partir das Escrituras e da fé histórica.

Outro aspecto a ser considerado é a dinamicidade do contexto, que anda na velocidade do tempo. Portanto, embora o próprio termo tradição esteja associado à idéia de algo duradouro, este não pode ser permanente e em hipótese alguma definitivo, caso contrário não cumprirá o papel de ser a elaboração da igreja no decorrer dos tempos, para fins de compreensão da própria fé e animação da prática eclesial.

De qualquer forma, compreende-se que a Tradição Teológica não é fruto de um trabalho individual e premeditadamente realizado, mas são compreensões fixadas pelo povo da fé, ao longo de sua história e à luz das suas constantes experiências no mundo.

Que é necessário buscar uma nova compreensão sobre a importância da Tradição Teológica. E comum sempre se rejeitar o tradicional em função do novo, como se um excluísse necessariamente o outro. Mas, de fato, o novo que surge desvinculado da tradição já construída e deixada na forma de herança, corre sério risco de ser inconsistente e sem identidade.

A Tradição é fruto da própria elaboração hermenêutico-teológica da igreja ao longo da sua história e é um legado de geração a geração. Por outro lado, uma concepção da Tradição insensível aos novos tempos e novas demandas, que se mostra hermética e portadora da verdade absoluta, não serve à igreja por não cumprir o principal objetivo de todo esforço reflexivo a partir da fé, ou seja, possibilitar à cada geração, em cada tempo e lugar, o conhecimento sempre atual de Deus e sua ação constante na história.



[1] Comentário tendo como base a obra (Tradição, Sinais dos Tempos e Dogma – Capítulo III) SEGUNDO, Juan Luís. O Dogma que Liberta. São Paulo: Paulinas, 2000.

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