O tema daTradição em Juan Luís Segundo[1]
A Tradição da Igreja ou Teológica, de acordo com Juan Luís
Segundo, diz respeito à elaboração reflexiva e histórica da fé a partir da fé antropológica,
num esforço comunitário e constante. Ela utiliza-se da energia barata por ser
força conservadora, embora não estática, tendo em vista ser atualizada e
revitalizada pela igreja em sua elaboração constante da fé.
No âmbito eclesial a tradição é força viva e de atualização
da revelação para as novas situações históricas. A Igreja, comunidade da fé,
renova suas tradições, que são fruto da revelação interpretada, ao
confrontá-las com as perguntas das situações históricas sempre novas.
A Escritura, produto também da tradição oral, é a força alimentadora
da Tradição gerada pela igreja em seu esforço interpretativo e atualização do
sentido da Palavra de Deus para os novos tempos. Neste aspecto, a Tradição é
sempre viva e geradora de vida e fé.
Conforme Juan Luís Segundo todo esforço de interpretação das
Escrituras é contextualizado, tanto em relação ao horizonte bíblico como do
leitor e, por isto, é somente aproximativo da verdade que o texto anuncia. Para
tal, requer-se uma pré-compreensão decorrente da percepção do tempo e situação
histórica de partida para o processo interpretativo.
A Bíblia é um exemplo real do aprender a aprender e esta é a
mesma ação por ela gerada. A revelação se dá em meio a este processo tão
caracteristicamente humano. No entanto, há o risco da leitura ideologizada
quando se dá de forma inconscientemente focada tanto no que diz respeito ao
método como em relação ao seu conteúdo. Ela pode se tornar manipuladora do
sentido bíblico e inflexivelmente conservadora.
Para que a Escritura oriente a Tradição para uma postura
libertadora, é preciso que seja considerada no seu todo, inclusive o seu
objetivo educativo evidenciado na história bíblica. O observar o contexto
bíblico é fundamental para o entendimento do texto dele resultante.
A prática, ação histórica e contextual, deve ser geradora de
reflexão a fim de que possua sentido e cumpra sua função educadora e
transformadora da realidade.
A
Tradição da Igreja
É preciso compreender que formular tradições faz parte da
realidade humana, em sua tarefa de pensar e construir a vida. São marcos
definidos com o decorrer dos tempos e que devem ser considerados, pois surgem
da experiência vivencial de pessoas e grupos sociais afins. O próprio texto
bíblico é resultado da elaboração e constante reelaboração das tradições orais,
revitalizadas a partir de novas experiências históricas compreendidas à luz dos
marcos da fé, no entanto, geradoras de novas luzes sobre eles.
Da mesma forma, como não vivemos isolados no mundo, não
vivemos isolados na história e, de fato, o entendimento da revelação não é
individual, mas pertencente à comunidade da fé que caminha no tempo e no
espaço. Neste sentido, nenhuma geração ou comunidade cristã específica é
portadora do conhecimento total de Deus possibilitado pela Escritura. “Construímos
sobre construções” já iniciadas e alicerces já estabelecidos, considerando o
que já foi feito, mas também em relação à novidade das perguntas do novo
contexto.
O contexto, é algo fundamental a ser considerado no processo
tanto de interpretação do texto bíblico, como de atualização das tradições. A
Palavra de Deus se deu de forma encarnada na realidade humana e situada em
contextos específicos, tanto quanto a Tradição Teológica, que surge de um
esforço interpretativo da Escrituras, é realizado também por comunidades
situadas, das quais o contexto é
determinante para as conclusões formuladoras das tradições. A comunidade de fé
atual que recebe essas tradições e visa responder à sua realidade inspirada
pelo seu conteúdo, bem como fazendo uso delas para as novas interpretações do
texto bíblico, também é parte integrante de uma determinada realidade
contextual que a afeta a ponto de desejar responder a ela a partir das
Escrituras e da fé histórica.
Outro aspecto a ser considerado é a dinamicidade do contexto,
que anda na velocidade do tempo. Portanto, embora o próprio termo tradição
esteja associado à idéia de algo duradouro, este não pode ser permanente e em
hipótese alguma definitivo, caso contrário não cumprirá o papel de ser a
elaboração da igreja no decorrer dos tempos, para fins de compreensão da
própria fé e animação da prática eclesial.
De qualquer forma, compreende-se que a Tradição Teológica não
é fruto de um trabalho individual e premeditadamente realizado, mas são
compreensões fixadas pelo povo da fé, ao longo de sua história e à luz das suas
constantes experiências no mundo.
Que é necessário buscar uma nova compreensão sobre a
importância da Tradição Teológica. E comum sempre se rejeitar o tradicional em
função do novo, como se um excluísse necessariamente o outro. Mas, de fato, o
novo que surge desvinculado da tradição já construída e deixada na forma de
herança, corre sério risco de ser inconsistente e sem identidade.
A Tradição é fruto da própria elaboração
hermenêutico-teológica da igreja ao longo da sua história e é um legado de
geração a geração. Por outro lado, uma concepção da Tradição insensível aos
novos tempos e novas demandas, que se mostra hermética e portadora da verdade
absoluta, não serve à igreja por não cumprir o principal objetivo de todo
esforço reflexivo a partir da fé, ou seja, possibilitar à cada geração, em cada
tempo e lugar, o conhecimento sempre atual de Deus e sua ação constante na história.
[1] Comentário
tendo como base a obra (Tradição, Sinais dos Tempos e Dogma – Capítulo III) SEGUNDO,
Juan Luís. O Dogma que Liberta. São Paulo: Paulinas, 2000.
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